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estagiário

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  Sexta-feira, sete e meia da manhã, acordo, ligo o computador e espero o café da minha mãe. Às oito já começam os atendimentos. Enquanto isso, deixo sempre um livro aberto ao lado da aba, para ler nos momentos de pausa. Não sou rápido como os outros, mas sigo no meu ritmo, no meu limite. E, no fundo, acho que isso basta. O home office, para mim, foi uma das maiores invenções que já existiram. Trabalhar em casa me dá um tipo de conforto que nenhum outro lugar poderia dar. Faço o sinal da cruz e desejo não sentir um peso ao fazer o que é necessário.  Confesso que muitas vezes faço quase no automático. Sei pouco do que deveria saber e, quando não sei, improviso. Às vezes falta orientação, às vezes o sistema falha, e fico com a sensação de que preciso inventar o caminho sozinho. Pode ser que eu me cobre demais, mas há dias em que me sinto perdido, incapaz. E mesmo assim, sigo. No remoto, encontro segurança. Eu não gosto de barulho, de aglomeração, de me sentir obrigado a socializ...

Logo, já não sou eu quem vive...

  Ele está em todos os lugares: na literatura, na música, na cultura, em cada canto do mundo. A sua Palavra nunca tem fim e nunca morreu; sempre permaneceu. Mas não conseguimos enxergar. Estamos cegos e contaminados pelo vazio. O mundo é barulhento e nos afoga em informações, a ponto de mal conseguirmos ouvir as palavras da missa, absorver o evangelho ou deixá-lo penetrar no coração sem esquecermos o que foi dito pelos sacerdotes. É uma profecia verdadeira e única: gerações passam, mas a Palavra permanece intacta. Eu precisei da dor, das quedas, do sofrimento e de encarar minha própria ruína. Rolei na lama e vi o quanto minha carne é podre, o quanto sou indigno de chamar pelo seu nome. Como Ícaro, voei alto demais e tentei alcançar o sol antes da hora, sem antes buscar o que era necessário: as palavras, o Verbo encarnado, a Eucaristia. Não se busca a luz sem aquele que é a própria luz. Como alcançar o seu rosto sem antes conhecê-lo, sem conhecer os seus amigos? Como viver sem senti...

She's a butterfly, but I'm just a shadow

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  As lembranças que contarei aqui são de um tempo não tão distante, mas dentro de mim é como se tivessem sido vividas em outrora. Um tempo em que a amizade era concreta e nada líquida, onde a literatura reinava em pequenos rolos de papel, e existiam cartas cheias de sentimentos vindos de um mundo que parece extinto. Essa não é uma história de amor romântico. Não há grandes paixões nem reviravoltas cinematográficas. Não há uma Manic Pixie Dream Girl , tampouco promessas de um final feliz entre duas pessoas que se amam como nos filmes. É uma história sobre uma amizade rara, com uma mulher real, numa realidade pé no chão, com sentimentos sinceros. Está mais próxima das páginas de O garoto, a toupeira, a raposa e o cavalo . Mas aqui, talvez seja mais justo chamar de o garoto e a borboleta . Tudo começou numa noite chuvosa. Eu a encontrei em um beco escuro. Estava frio, os pingos de chuva eram pesados e caíam como se quisessem atravessar minha alma. Naquela noite, eu não esperava por na...

Aos que caminharam comigo: minha gratidão em Cristo

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  Em espírito de humildade e fé, como católico devoto de São Francisco de Assis e de tantos outros santos que procuro imitar em suas virtudes, escrevo estas linhas como um ato de gratidão. Pois é dever do cristão, sobretudo quando provado pela cruz, reconhecer os sinais da Providência de Deus, que se manifesta nas pessoas que Ele coloca em nosso caminho. No último dia 7 de junho, fui acometido por uma pneumonia. E, após dias de internação no Hospital Estadual, recebi alta em 18 de junho. Hoje me encontro em casa, em recuperação, sustentado pela graça de Nosso Senhor Jesus Cristo. Confesso: não foi uma experiência fácil. Não desejo a ninguém os sofrimentos que enfrentei. Contudo, descobri, na dor, a força do amor que vem de Deus através do próximo. Fui fortalecido pela presença, pelas orações e pelo carinho daqueles que, de perto ou de longe, estenderam a mão. À minha paróquia, que intercedeu por mim com orações sinceras, rendo meu mais profundo agradecimento. De modo especial, ao ...

aplauso em um assento só

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  aquele dia, simplesmente aquele, em que a alvorada se desenhava trêmula sobre a pele do tempo, o vento de outono passava como uma história antiga, e embora o sol estivesse partindo, não puderam obscurecer o fulgor do instante nem ensombrecer os nossos corações. era como se o universo inteiro dançasse ao ritmo da minha memória. aquele momento em que o homem tenta, em vão, conter o tempo entre os dedos e remodelar as lembranças como Van Gogh teima em colorir a realidade com tons mais densos, mais felizes, mais seus. alguns desejam viver um só traço de eternidade nas águas cintilantes de algum paraíso burguês, sob o verniz caro de um verão de cartão-postal. mas, ao final, tudo se dissipava como névoa de fim de tarde, tão turvo e inconstante quanto os corações à beira da despedida. o meu instante, ao contrário, aconteceu no mais sagrado de um casinha: um quintal de chão vivido, onde as árvores guardam histórias em suas cascas e o ar conserva, com pudor, o cheiro das vozes que amei. ...

Precisamos falar sobre Cabrália (Paulista, não a do Cabral)

  Olha só, gente. A gente queria mesmo era falar de outra coisa. Mas Cabrália tem dessas: certos assuntos não morrem, só ficam dando voltas. Tipo cachorro correndo atrás do próprio rabo. E hoje, de novo, estamos aqui falando da palavra que muita gestão pública parece pronunciar com urticária: acessibilidade. Porque, vamos lá, não é como se a prefeitura estivesse descobrindo o tema agora. Já teve episódio anterior, com direito a decisão judicial, puxão de orelha e tudo mais. A gente pensa: agora vai, né? Aprenderam. Que nada. Ilusão nossa. Dessa vez, o show foi com rampas. Isso mesmo, rampas. Aquelas estruturas simples, inclinadinhas, que servem pra garantir que quem tem dificuldade de locomoção consiga transitar com dignidade. Pois bem: conseguiram transformar isso numa armadilha. Malfeitas, tortas, mal localizadas. Mais parecidas com obstáculos de corrida do que com estrutura de apoio. E aí você se pergunta: como é possível errar de novo no que já foi avisado? Como é que depois...

em teus braços

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uma mãe alimenta com o corpo, com o medo, com o futuro nos braços dela a gente aprende o nome do mundo antes de aprender a dizer o nosso é quente, é forte é prisão que não aprisiona é cuidado que às vezes dói e depois se chama amor mas a tia - ah, a tia é outra coisa a tia não tem lugar certo no coração ela escorrega por entre as regras e inventa novas tia é liberdade com cheiro de bolo quente e doce antes do almoço é arte permitida bagunça autorizada e castigo que nunca chegou a chinela era da mãe mas o sorriso era da tia tia é irmã da mãe mas também irmã da infância é mulher sem útero que gera laços de um jeito tão fundo que só o abraço explica a semana vira saudade o fim de semana vira chegada e a chegada vira colo e o colo vira amor tia ama como mãe e o sobrinho ama como filho sem saber que está amando porque já está e não tem nome que caiba então a gente chama de tia mas sabe - lá dentro no lugar onde não tem palavra é mãe também tia é a...