She's a butterfly, but I'm just a shadow
As lembranças que contarei aqui são de um tempo não tão distante, mas dentro de mim é como se tivessem sido vividas em outrora. Um tempo em que a amizade era concreta e nada líquida, onde a literatura reinava em pequenos rolos de papel, e existiam cartas cheias de sentimentos vindos de um mundo que parece extinto.
Essa não é uma história de amor romântico. Não há grandes paixões nem reviravoltas cinematográficas. Não há uma Manic Pixie Dream Girl, tampouco promessas de um final feliz entre duas pessoas que se amam como nos filmes. É uma história sobre uma amizade rara, com uma mulher real, numa realidade pé no chão, com sentimentos sinceros. Está mais próxima das páginas de O garoto, a toupeira, a raposa e o cavalo. Mas aqui, talvez seja mais justo chamar de o garoto e a borboleta.
Tudo começou numa noite chuvosa. Eu a encontrei em um beco escuro. Estava frio, os pingos de chuva eram pesados e caíam como se quisessem atravessar minha alma. Naquela noite, eu não esperava por nada, muito menos por uma borboleta de asas quebradiças, debruçada sobre os joelhos, com uma pele que cintilava a cada gota que tocava sua superfície. Era bela, mas de uma beleza particular, quase invisível, daquelas que os olhos apressados não veem. Minha intenção era apenas atravessar o beco em silêncio, sem me importar com quem estivesse ali. Mas algo nela me chamou atenção. Seu silêncio, sua presença, sua dor. E estendi minhas mãos, não por heroísmo, mas por caridade.
Naquele instante nasceu uma amizade pura. Um encontro silencioso de almas que sabiam pouco uma da outra, mas que se reconheciam na dor e na esperança. E como em toda história que importa, havia ali o risco do fim. Eu já havia perdido muitas amizades antes, sem tempo sequer para um adeus. Mas com ela, desejei que fosse diferente.
Ela foi um encanto, desses que a gente não procura. Não me apaixonei, não desejei para mim o que não era meu. Seu enigma, sua poesia, seu mistério — tudo isso existia e seria desvendado por outro leitor. A minha poesia é Cristo. E nada toca meu coração como Ele tocou. Mesmo o mais belo lírio do universo não poderia.
A cada dia ela me cativava mais. E eu, por minha vez, a lembrava que somos responsáveis por tudo o que cativamos. Mas também sou um homem limitado, falho. Houve momentos em que fui cruel com a grande borboleta, assim como fui com tantas outras. E mesmo quando o mundo era cruel comigo, eu preferia ter escolhido o silêncio. Não por covardia, mas por necessidade.
Enxerguei nela o invisível. Não conheci seu esplendor por completo, apenas um vislumbre. Mas às vezes basta o vislumbre para que floresça um sentimento verdadeiro. O amor, quando nasce, permite que compreendamos a dor dos outros. E esse talvez seja nosso maior poder.
Com o tempo, ela voou. Hoje, sobrevoa arranha-céus, passa longe dos becos escuros e toca as águas do mar. Suas asas se recuperaram. Ela vem e vai, não permanece muito tempo, e isso me alegra. Não sei de suas novas histórias — e nem preciso. Só desejo que ela viva sua própria narrativa com coragem e delicadeza. Que continue cativando cravos e rosas pelo caminho, como fez comigo.
Para sempre eu permaneci. Em seus corações e no tempo, fui apenas uma memória esbranquiçada, nebulosa. E talvez permaneça esquecido, como aquele que não se deve nomear. Mas eu a tenho no coração. Nada retira o que está colado na carne da alma. As chamas do espírito não se apagam. Não as do amor, mas as da eternidade.
Ela permaneceu quando não era preciso, como agora. E é agora que preciso de luz, de vida, de mim. Porque há dias em que sinto que posso me tornar uma nebulosa. E mesmo assim, lembro de quando a cativei sem saber. Lembro de quando ela me surpreendia sem perceber. De quando eu me aproximava não para salvá-la, mas para conhecê-la. E, no fundo do seu abismo, havia uma casa escura. Sem móveis, sem som. Um lugar onde suas dores moravam em silêncio.
Toda aquela fragilidade significava força. Seus defeitos, meros detalhes. Suas dores, as raízes de sua perfeição. Suas asas, a prova de que podia voar para longe. Para onde o mundo a chamasse. Longe do ninho, da prisão, além das montanhas.
Sim, em algum tempo, amei. Amei intensamente, como só se ama uma vez. Mas houve um limite. Uma linha invisível. E eu soube respeitá-la. Não se exige o que não pode ser dado. Não se ultrapassa o que não foi permitido. Eu protegi meu coração e deixei que ela fosse livre. Amar, para mim, era contemplar.
O que eu mais queria era um amor que não coubesse nas mãos, que me fizesse mais livre que um cavalo selvagem. Um amor que me fizesse voar como um arcanjo. E desejava que ela encontrasse isso. Um amor para viver em paz, sozinha ou acompanhada. Que dividisse a vida, ainda que fosse só com ela mesma.
Hoje, escrevo sem mais necessidades. Nem dela, nem de mim. Poderia mentir e dizer que sinto falta. Mas a verdade é mais doce: eu a amei como devia, e agora posso dizer adeus. Alguém precisava dizer: "É livre para caminhar sem mim."
Ela esteve comigo nos dias em que a chuva pingava sobre os tambores de metal, nas poças frias dos becos. Seu calor era sutil, mas suficiente. E agora, mesmo sozinho, uma luz de chamas me atravessou e espero que um dia a mesma luz chegue nela. Ainda estou aqui. Às vezes recebo visitas. Mas continuo no mesmo beco.
Ela foi um milagre entre milhões. Uma luz que precisava acender-se. Sem saber, suavizou meus dias solitários. Calada, me ouvia. E mesmo quando tudo doía, eu tentava oferecer-lhe uma palavra boa. Uma razão pequena para rir. E hoje, tantas amizades não sabem que as amei. Que ainda as amo. Que rezo por elas. Elas não sabem o quanto doeu perdê-las, mesmo quando fui eu quem sumiu.
Talvez eu esteja cometendo um erro agora. Dizer adeus, tornar-me invisível. Mas é a minha escolha. Meu jeito novo de existir. No mosteiro que criei para mim, partirei.
Antes de ir, quero que ela saiba: o amor que recebi será guardado com zelo. Lembrarei dela nas noites nubladas, nas madrugadas silenciosas, nos livros que leio. Não em músicas, pois não sei se a música lhe tocava. Mas nas palavras. Em cada romance. Em cada página.
Que ela se lembre de mim. Que continue a amar, a praticar caridade, a dar abraços sem cobrar. Que cative, mas que também seja responsável pelas almas que tocar. Que não desapareça da vida dos outros como eu desapareci. Que não viva escondida num claustro como eu. Que dê vida à vida.
Se eu pudesse lhe contar tudo o que penso, não caberia num livro. Ela merece amigos melhores do que fui. E que ela seja o contrário de tudo o que fui de ruim. Que ela se lembre de mim com doçura, mesmo que eu não tenha sido doce sempre.
Na minha imaginação, queria tê-la conhecido noutra era. Ser um escritor miserável, ela uma dama de alma nobre. O tempo não muda o mundo. Mas a fantasia consola. Gostaria de tê-la reencontrado em outros caminhos, guiados pela vontade divina. Pois viver o pouco que vivi com ela já valeu tudo.
Agradeço por seu riso, seu afeto, sua presença. Por ter me dado uma história para contar. Uma pequena aventura. Um milagre. Que, se for da vontade divina, um dia nos reencontremos fora do famoso pálido ponto azul.
Não lhe dei a amizade perfeita. Mas lhe deixo este texto. Meu último. Um ato de gratidão.
Foi uma honra. Uma estima imensa. Ter vivido essa história, mesmo que por pouco tempo. Ter dividido este planeta, esta frequência. Dois corações em compasso.
Ela será sempre uma das minhas pessoas favoritas. E estará entre as almas mais doces que conheci.
Abençoo-te em nome de Jesus Misericordioso. Que sua paz inunde tua alma. A bênção da Imaculada sobre ti e todos os teus.
Com todo amor que Cristo me concedeu,
h.
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