estagiário
Sexta-feira, sete e meia da manhã, acordo, ligo o computador e espero o café da minha mãe. Às oito já começam os atendimentos. Enquanto isso, deixo sempre um livro aberto ao lado da aba, para ler nos momentos de pausa. Não sou rápido como os outros, mas sigo no meu ritmo, no meu limite. E, no fundo, acho que isso basta. O home office, para mim, foi uma das maiores invenções que já existiram. Trabalhar em casa me dá um tipo de conforto que nenhum outro lugar poderia dar. Faço o sinal da cruz e desejo não sentir um peso ao fazer o que é necessário.
Confesso que muitas vezes faço quase no automático. Sei pouco do que deveria saber e, quando não sei, improviso. Às vezes falta orientação, às vezes o sistema falha, e fico com a sensação de que preciso inventar o caminho sozinho. Pode ser que eu me cobre demais, mas há dias em que me sinto perdido, incapaz. E mesmo assim, sigo.
No remoto, encontro segurança. Eu não gosto de barulho, de aglomeração, de me sentir obrigado a socializar. O simples fato de imaginar estar em um lugar cheio de gente já me deixa desconfortável. E sei que ninguém tem obrigação de me ajudar por eu ter Duchenne. Mas tenho dois irmãos que são minha fortaleza. Um tem a força que me protege do mundo, o outro a inteligência que me guia. E, acima de tudo, a bondade dos dois é algo que me assusta de tão grande. Eles fazem por mim o que poucos fariam. E fariam também por qualquer um. Essa é a dádiva que Deus deu a eles e que, de certa forma, também me alcança.
Já no presencial, tudo pesa. Logo de cara senti o impacto. Barulho demais, cheiros fortes de perfumes, pessoas jovens, gente falando de todos os lados. Lugares que deveriam acolher acabam virando ambientes caóticos, onde é quase impossível focar de verdade em alguém. Como dar atenção integral a uma pessoa se, ao redor, há vozes, falta de privacidade mínima ao assistido, histórias e problemas explodindo por todos os lados?
E tem também as festinhas. Quem me conhece sabe que não gosto. Tenho minhas manias com comida, só confio no que vem da minha família ou de profissionais que conheço. Para mim, comer é íntimo, é um ato de afeto. Fazer isso ao lado de pessoas com quem não tenho confiança me deixa inseguro, quase apavorado. Não é culpa de ninguém, nem minha. É só o jeito que sou. E, quando não há como evitar, só me resta engolir o desconforto com humildade.
O que também me incomodou foi ouvir, logo nos primeiros dias, conversas pelas costas. Eu mal conhecia as pessoas e já percebia comentários sobre outras. E, claro, pensei: se falam de um, também falarão de mim. Nunca gostei disso. Para mim, fofoca é um veneno, algo que não combina com quem leva a fé a sério. Mas mesmo assim, percebi o quanto é fácil cair nela quando se está imerso em certos ambientes.
No meio disso tudo, descobri que sei me virar. Gostei quando tive apoio de alguém, mas também aprendi a lidar sozinho. Hoje consigo seguir com mais autonomia, mesmo que ainda falte muito.
O que fica, no fim, não são as pessoas. São as experiências. São as lições que a prática deixa. Porque, quando penso bem, só consigo amar sem barreiras os vulneráveis, as crianças, os aleijados como eu.
h.
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