Logo, já não sou eu quem vive...
Ele está em todos os lugares: na literatura, na música, na cultura, em cada canto do mundo. A sua Palavra nunca tem fim e nunca morreu; sempre permaneceu. Mas não conseguimos enxergar. Estamos cegos e contaminados pelo vazio. O mundo é barulhento e nos afoga em informações, a ponto de mal conseguirmos ouvir as palavras da missa, absorver o evangelho ou deixá-lo penetrar no coração sem esquecermos o que foi dito pelos sacerdotes. É uma profecia verdadeira e única: gerações passam, mas a Palavra permanece intacta.
Eu precisei da dor, das quedas, do sofrimento e de encarar minha própria ruína. Rolei na lama e vi o quanto minha carne é podre, o quanto sou indigno de chamar pelo seu nome. Como Ícaro, voei alto demais e tentei alcançar o sol antes da hora, sem antes buscar o que era necessário: as palavras, o Verbo encarnado, a Eucaristia. Não se busca a luz sem aquele que é a própria luz. Como alcançar o seu rosto sem antes conhecê-lo, sem conhecer os seus amigos? Como viver sem sentir suas chagas ou ouvir sua voz? Felizes são os que o viram e foram curados por suas mãos. Isso vale também para os santos, que alcançaram as moradas do castelo sem vê-lo pregando nas ruas, mas reconhecendo nele a bondade encarnada, de pés descalços e sujos de barro. Quem dera eu pudesse vê-lo uma única vez. Abriria mão da vida só para tocar o manto santo.
Levanto-me outra vez. Busco-o. Aprendi que a forma de se perdoar é ir aos seus pés. Sem mover o corpo ou a mente, o ser se torna vazio; sem a graça, sou uma casca oca, uma caverna sem eco. Vejo apenas a escuridão, que encara ferozmente minha alma ferida pelas minhas próprias mãos, pela minha culpa. Somente a minha culpa. Confesso meus pecados mais hediondos. Todos nós o fizemos sangrar, e cada vez que isso acontece, sinto como se uma lança atravessasse meu coração. Na verdade, mereceria mil lanças em toda a carne. Já desejei o fim da minha vida, não mais existir, para não machucá-lo novamente. Achei que, assim, deixaria também de ferir amigos e família. Mas percebi que esse fim o machucaria ainda mais.
Ao contrário das pessoas, Ele não revida. A única dor que nos causa é a perda da paz quando negamos a bondade suprema ou desistimos de imitá-lo. O coração arde e a carne se dilacera. Eu me sinto destruído por dentro. A alma grita, mas o corpo não escuta; não sente o fogo da suprema verdade, não vive como Ele quer que vivamos: em verdade. No meio de bilhões, talvez apenas um se lembre. E essa chance pode passar. Se a dor é grande agora, será maior ainda ao ouvir que Ele não se lembra de quem sou.
A raiva me perseguia e eu nunca entendia por que o mal me perturbava tanto. Ele me afastava, me deixava vazio de esperança. A ansiedade tomava a paz que encontrei e me puxava para o fundo escuro, para onde caminham os que amam o mundo. Mas se o mundo me fere, se aqueles que não amam me fazem perder de vista quem me dá o fôlego e planta em mim a paz e a esperança, então não há como me misturar a ele sem perder uma parte de mim. Permitir que o mundo dite o que devo sentir é perder tudo que existe em mim. Somente Ele deve guiar meus pensamentos e sentimentos.
Nunca sofri tanto por algo que valesse a pena. Mesmo que alguém alegre meu dia, não será na mesma intensidade que desejo sentir d’Ele. Nada substitui esse amor. Não há quem me faria sofrer para que eu pudesse ser sua imagem e transparecer suas mensagens na minha vida. Tudo o que posso dizer é que é impossível viver sem gritar na mente: "Jesus Cristo, o Bom Jesus". Ele é meu porto seguro. Deus é a suprema bondade viva, majestoso, e o mundo tenta apagar o seu esplendor. Mesmo sem vê-lo, posso sentir sua luz do alto do céu. Fechando os olhos, sinto o seu abraço. Às vezes, ao ver imagens e representações, sinto um arrepio e lágrimas caem.
Talvez eu me perca nas palavras, mas poucas bastam para quem ama muito. O corpo dói, a alma pede socorro, mas ainda assim é possível sorrir, porque existe esperança. O próprio Cristo me perdoa e espera que eu vá buscá-lo, sobretudo no sacramento da confissão. Nesse instante verdadeiro, uma nova criatura nasce, um novo alguém respira, mesmo antes de ser absolvido. Surge alguém com novas palavras, novos pensamentos, uma nova forma de existir e ser livre. A partir desse momento, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim.
Essa é a trajetória da transformação. Posso cogitar abandoná-lo, fugir da sua luz, mas Ele sabe que eu sempre volto. Ele pode viver sem nós, mas eu não posso viver sem Ele. Posso perder amigos, família, paternidade, viver na escuridão e fugir de tudo, mas não posso fugir do amor que me foi dado. Sem Ele, prefiro morrer, desaparecer e ressuscitar mil vezes a viver sem amar o Amor. Só faz sentido viver porque Cristo vive. Se alguém pudesse provar o contrário, que me tirasse deste mundo o quanto antes.
Para viver o que preciso, pensei que deveria sair desta prisão e anunciar o evangelho lá fora, em meio às ruínas. Mas entendi: não é para fugir. Estou exatamente onde devo estar, para ser o que o mundo precisa, mesmo nas pequenas simplicidades. Quero ser prova viva do que Cristo faz com quem definha com o tempo, mas ainda deseja amar — amar acima de tudo aquilo que não se vê, mas se vive.
Daqui em diante, sumirei dos olhos e das conversas. Escreverei sozinho, para ler sozinho. Para, no silêncio e na solidão, converter-me para amar verdadeiramente o Amor e, de costas para o mundo, viver até que eu possa dizer: "Logo, já não sou eu quem vive..."
h.
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