O Abismo que Cavitei em Mim
No momento em que escrevo, no dia 7 de março, em meu quarto, uma tristeza imensa me abate. É dilacerante o que sinto e doloroso para me expressar. Tudo o que eu desejava era correr para os braços de Cristo e nunca mais me soltar, jamais desejar estar longe de Sua presença. Enquanto escrevo, Cristo é adorado na paróquia. Gostaria de estar lá, mas o que me entristece não é isso. O que verdadeiramente me aflige é a possibilidade de não ir às missas de domingo. O motivo? Não suporto viver sem Jesus, meu Senhor.
O que escrevo não se compara aos Salmos de Davi nem às palavras dos santos da Antiga Aliança. Nada do que digo pode igualar-se às palavras de Cristo, mesmo que O imite. Não tenho a capacidade nem a habilidade de usá-las como os santos Apóstolos o fizeram, pois sei que esses dons foram concedidos pelo Espírito Santo. Como poderia eu tê-los? Sou insignificante, não tenho nada de importante a ser dito. Como posso me comparar a eles, se sou invisível e não tenho a missão de percorrer o mundo pregando? Quem poderia ser convertido por minhas palavras? “Não fostes vós que me escolhestes, mas fui Eu que vos escolhi” (Jo 15,16).
Pergunto-me: em que momento posso cumprir o pedido de São Francisco de Assis e pregar o Evangelho com minha vida? Quem terá ouvidos para ouvir? Se ao menos eu conseguisse falar à minha família, aos meus amigos..., mas sinto-me cada vez mais distante deles. É claro que não os culpo. Eu me perdi por muito tempo e ainda me perco em meus próprios pensamentos e culpas. “O meu pecado está sempre diante de mim” (Sl 50,5).
Antes mesmo de se perderem, Cristo falou sobre cada um. Vejo onde estão parados. Muitos perderam a fé, tornaram-se incrédulos das palavras dos servos do Senhor e do próprio Cristo. Isso é uma ferida em meu coração, pois como posso viver sem pensar na salvação de quem amo? Dói ouvir palavras, gestos e ações que me fazem querer correr até o horizonte para escapar do pecado, mas, ao mesmo tempo, presenciar o que fere a Cristo. “Chorai com os que choram” (Rm 12,15). Se não choro com o Senhor, que servo sou eu? Se não reconheço o pecado e o que ele causou a Cristo, o que sou?
O maior crime da história foi cometido contra um inocente. Ele foi imolado, suas chagas foram abertas, seu sangue puro verteu até a última gota. “Eram as nossas enfermidades que Ele carregava, eram as nossas dores que levava sobre si” (Is 53,4). No caminho para o Calvário, arrastou sua própria cruz, carregando sobre si os pecados de todos nós. Foi espancado, escarnecido e crucificado por mãos humanas. E, mesmo hoje, sabendo quem Ele é, muitos não O reconhecem, não O têm em seus corações, não amam o Amado. O único que pisou na terra e amou com perfeição, sem pecado, com olhar divino e mãos santas que distribuíam milagres. Amou-nos sem nada exigir em troca.
“Nada precisamos fazer de grandioso para O ter, para sermos amigos d'Ele. O começo é amando” (Santa Teresinha do Menino Jesus). Você não aprende de fato se não for amando. Um professor não ensina sem amor. Da mesma forma, com quem amamos, buscamos conhecê-lo profundamente, conversar, ouvir suas opiniões. Mas como buscar a Jesus sem amá-Lo?
Vejo muitos dizerem: “Eu creio”. Mas e o amor? Onde está? Como acreditar em Alguém sem conhecer Suas palavras? Os Apóstolos almoçaram com Cristo, partiram o pão, beberam o vinho ao Seu lado. Como não desejar conhecê-Lo, aprofundar-se n'Ele? O Catecismo nos ensina: “Deus quis salvar os homens não individualmente, sem qualquer laço entre eles, mas constituindo-os em um povo que O conhecesse na verdade e O servisse santamente” (CIC 781).
E, no entanto, há os chamados cristãos não praticantes. Existe filho não praticante? Mãe não praticante? O que seria de um lar em que um pai não fosse praticante na vida de seu filho? É doloroso um irmão, um amigo, um familiar distante, alheios à sua vida. E assim é com Cristo: senão O queremos, por que fingimos? Basta de ilusão! Se queres amar, AME.
Dói ter amigos que não conhecem nossos gostos e opiniões. Dói mais ainda quando são familiares que se afastam. Vemos isso também em nossa relação com Deus: conhecem a Cristo, sabem de Suas palavras, mas não convivem com Ele, não O visitam, não O escutam. Como conhecer Jesus sem buscá-Lo dia após dia?
Após a ferida deste dia, refleti muito. Falei, pensei em tantas palavras inúteis. Confesso que errei com Jesus e com os meus. Ao invés de me calar, profanei palavras, agi de modo que não condiz com o amor. Quem ama a Cristo e escreve sobre o amor não age assim.
“A humildade é o reconhecimento sincero de que tudo o que temos e somos vem de Deus” (Santa Teresa de Ávila). Não encherei o peito para dizer que tenho graça, pois sou insignificante. Pretendo continuar invisível, pois aprendi que vale mais ser ignorado do que ser lembrado pelos motivos errados.
Eu confesso que, nesta semana, realmente tentei. Continuo fazendo o que posso, sendo quem posso ser. Mas como é possível fazer tudo sem que alguém estenda a mão? As experiências que tive neste ano foram, em grande parte, desagradáveis. Se tantos dizem conhecer o homem e a mulher, por que não mostram o caminho para sermos melhores? Por que, neste mundo, devemos carregar tudo sozinhos, suportar sem alguém ao lado? Por que apenas a família deveria ter esse papel?
São João Crisóstomo nos recorda: "Se vós não tendes necessidade dos outros, os outros têm necessidade de vós. Portanto, não vivais para vós mesmos, mas para os outros". No entanto, o que vejo é que muitos exigem, mas poucos se dispõem a ajudar.
Sim, eu erro. Sempre errei. E se nos esforçamos para ser melhores, por que ainda assim o mundo nos exige mais e mais, sem ao menos nos guiar? Por que nos dizem que orientam, mas na verdade não o fazem? Ou, quando fazem, é pouco, é insuficiente, porque falta amor naquilo, falta verdade nas palavras. Todos nós nos esforçamos para crescer, mas seguimos sós. E só Tu, Senhor, podes ver com Teus olhos a dor que o mundo não enxerga. "O homem vê a aparência, mas o Senhor olha o coração" (1Sm 16,7).
E por que não veem? Por um único motivo: CRISTO. "Se fôsseis do mundo, o mundo vos amaria como sendo seus; mas porque não sois do mundo, porque a minha escolha vos separou do mundo, o mundo vos odeia" (Jo 15,19).
Não estaria sendo sincero se dissesse que nunca recebi ajuda de estranhos. Mas também não seria justo dizer que essa ajuda foi perfeita. Muitas vezes, o auxílio vem pela metade, sem entrega, sem verdadeiro amor ao próximo. E me pergunto: será que há, de fato, um desejo sincero de que nos tornemos melhores? Ou será que o que esperam de nós é simplesmente que sigamos como eles querem, sem considerar nossas dificuldades? A verdade é que a ajuda deve ser dada conforme a necessidade do outro, não conforme nossas próprias conveniências.
O Catecismo nos ensina que "o amor ao próximo é inseparável do amor a Deus" (CIC, 1878). Ensinar exige entrega. Não basta oferecer migalhas de palavras e sugestões vazias. É preciso dar a alma, dar tudo o que sabemos ao próximo. "Se alguém possuir bens deste mundo e, vendo seu irmão em necessidade, lhe fechar o coração, como pode permanecer nele o amor de Deus?" (1Jo 3,17). Antes de proferir uma única palavra, devemos buscar compreender o que se passa na mente e no coração do outro. Assim deveria ser. Assim deveria terminar.
E é aí que vejo a diferença da Santa Igreja Católica. Nas paróquias, os sacerdotes dão conselhos de verdade, concretos, possíveis de se viver. Eles não apenas dizem o que devemos fazer, mas nos acompanham, pois sabem que somos falhos, mas que podemos melhorar. Eles nos esperam de volta, sempre. Como nos lembra Santo Agostinho: "Deus que te criou sem ti, não te salvará sem ti".
Eu nunca fui alguém que desiste fácil. E minha missão, este ano, é alcançar a humildade. Que me machuquem com palavras, que não me enxerguem, que esperem de mim o que eu não sei sem antes me ensinar. Mas uma coisa eu sei e farei: "Tudo quanto fizerdes, fazei-o de todo o coração, como para o Senhor e não para os homens" (Cl 3,23). Não em nome daqueles que não são meus mestres, mas em nome de Cristo, que é meu único e verdadeiro Mestre.
E tudo o que preciso fazer é permanecer em silêncio, oculto e em estado de pausa, conforme prometi a Cristo. Mesmo que esteja sozinho na maior parte do tempo, sem as amizades santas que há tanto tempo sonho ter, sem uma mão para segurar quando mais preciso, sei que não estou abandonado. Cristo está à minha espera, atento ao menor sussurro do meu coração. Ele é quem estende a mão e diz: “Não vos inquieteis, pois vosso Pai sabe do que necessitais” (Mateus 6,31-32). Ele me chama a olhar para os lírios do campo, a esquecer o mundo e as coisas do mundo, e a descansar n’Ele.
Digo com todo o coração e amor: Cristo é o meu Senhor, e ninguém pode ser maior que Ele em minha vida. “Ele é o Amado, Ele é o meu Tudo, para Ele eu entreguei tudo” (Santa Teresa de Lisieux). Mais do que Senhor, Ele é o melhor amigo que já tive desde o primeiro sopro de vida, Aquele que me acompanha em todas as noites e em quem busco conforto. Não procuro no próximo aquilo que só posso encontrar n’Ele. Seu jugo é suave e leve (Mateus 11,30), e por isso entrego a Ele todas as minhas preocupações, pois está escrito: “Confia ao Senhor tua sorte, espera n’Ele, e Ele agirá” (Salmo 37,5).
Cristo conhece o abismo do meu ser, minhas quedas e fraquezas, pois é Ele quem me sustenta. Em Suas mãos repouso, mas tantas vezes sou eu quem foge, quem tenta cobrir o rosto e esconder-se de Seu amor. “O pecado é, antes de tudo, uma ofensa a Deus, uma ruptura da comunhão com Ele” (CIC 1440), mas Seu amor é infinito, e Ele jamais me abandona. Se alguém pensa me conhecer, está enganado, pois somente o Senhor conhece meu coração. “O homem vê a aparência, mas o Senhor vê o coração” (1 Samuel 16,7).
Tudo o que há de sombrio em mim é conhecido pelo Pai, e é Ele quem transforma minha escuridão em luz. Neste momento, não sou mais o mesmo, pois Cristo, aos poucos, está moldando minha carne. O coração de pedra se despedaça, a mente se renova à medida que busco Suas palavras e guardo Seu amor em meu interior. E que esta luz nunca mais se torne trevas, pois “Deus é luz, e nele não há treva alguma” (1 João 1,5).
Houve um tempo em que me apaixonava por pessoas. Amei alguém, amei outras. Muitos buscam amar uma mulher, viver com ela, sonhar com ela, fugir da solidão, encontrar o amor e se apaixonar diversas vezes, ou buscar novas experiências. Assim também pensei, desejei e idealizei ter "diversos alguéns". No entanto, percebi que nada disso eu realmente precisava, pois tudo não passava de ilusão. E, mais do que nunca, compreendo que essa necessidade se torna cada vez menor, pois há uma única razão que preenche meu coração: Jesus Cristo de Nazaré.
Ele é o amor que sempre desejei ter, o Amor perfeito, imaculado e sem erros. Como disse Santo Agostinho: “Nos fizeste para Ti, Senhor, e inquieto está o nosso coração enquanto não repousa em Ti.” Da mesma forma que O amo e sou amado por Cristo, desejo amar o próximo, com a suavidade do jugo de Jesus, pois Ele mesmo nos convida: “Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para as vossas almas” (Mateus 11,29).
A verdadeira experiência que encontrei – e que sempre esteve dentro de mim – era a única coisa de que realmente precisava. O que nenhum amigo ou amor humano pôde suprir, Cristo retirou de minha alma e preencheu com Seu amor. “O homem não pode viver sem amor. Ele permanece para si mesmo um ser incompreensível, sua vida fica sem sentido, se não lhe for revelado o amor” (CIC, 27). E, no entanto, nenhum amor é tão grandioso e suficiente quanto o de Cristo.
Jesus é a maior paixão que senti, e, ao contrário do amor humano, esse amor não é passageiro. Nele, me apaixono de novo e de novo, em um ciclo infinito, pois Seu amor se renova a cada dia. Sempre que preciso, posso recomeçar. Aprendo e reaprendo, cada vez que desejo me aprofundar nesse Amor divino. E, diferentemente dos amores humanos, que podem falhar e decepcionar, se erramos e nos afastamos d’Ele, Cristo nos espera onde O deixamos. Ele nos perdoa e nos ama com ainda mais intensidade, pois “onde abundou o pecado, superabundou a graça” (Romanos 5,20).
Sem risco de sermos deixados, humilhados ou degradados, no amor de Cristo encontramos segurança. E isso não se aplica apenas aos “namoros” do mundo, mas também às amizades e aos laços terrenos formados segundo a lógica do mundo. O amor e as relações em Cristo são divinas e perfeitas. Mas há também os laços humanos criados por Deus, e esses, quando alicerçados na fé, tornam-se santos. Se Cristo une dois amigos na graça para alcançarem a santidade, nada do que é humano pode desfazer o que foi selado pelo divino. “O que Deus uniu, o homem não separe” (Mateus 19,6).
No entanto, nestes últimos dias e no início da Quaresma, agi por mim mesmo, conforme as ações falhas de um pecador. E o que me causou tristeza - e agora se transformou em alegria - foi perceber que agi sozinho, sem antes buscar ao Senhor. Mas minha alegria está n’Ele, pois O busquei, ainda que tardiamente, como também tarde O amei. “Tarde Te amei, ó Beleza tão antiga e tão nova, tarde Te amei!” (Santo Agostinho).
É incrível o toque de Suas palavras: elas penetram o coração e acalmam todo o meu ser. Encontrei conforto e aqui deixo as minhas preocupações, pois “lança o teu fardo sobre o Senhor, e Ele te susterá” (Salmo 55,22). Tudo será cessado, tudo terá fim, e descansarei em Suas promessas. Mas sei que antes de qualquer ação, devo ser um homem de oração, agir com Cristo, falar como Cristo e pensar como Cristo. “Tende em vós os mesmos sentimentos de Cristo Jesus” (Filipenses 2,5).
E mesmo que eu não saiba ainda como agir dessa forma santa, guardarei o silêncio, pois “na quietude e na confiança estará a vossa força” (Isaías 30,15). No silêncio, repousarei, esperando a graça. Buscarei as palavras do meu Senhor para, na calmaria, pedir-Lhe tudo o que necessito e, na paciência, esperar o momento certo para agir. Caso contrário, tudo desmorona, tudo se perde, e o que restará será o caos e o pecado. Sei bem que, se agir sem o Evangelho, a tristeza esmagadora tomará conta do meu ser, como aconteceu nestas últimas semanas. Mas, por conhecer minha fraqueza e os erros cometidos, jamais posso deixar de recorrer aos céus! “O Senhor é minha luz e minha salvação, a quem temerei?” (Salmo 27,1).
Por amor a Cristo e ao Seu Evangelho, reconheço minha pequenez e insignificância. “Sem mim, nada podeis fazer” (João 15,5), disse o próprio Senhor, e é nessa certeza que abandono minhas preocupações com as coisas passageiras deste mundo. Não me inquieto com a salvação dos outros como se dependesse de mim que se convertam e acreditem em mim, pois “a salvação vem do Senhor” (Salmo 3,8). No entanto, jamais deixarei de proclamar Cristo e somente n’Ele. Como disse São Francisco de Assis: “Pregue o Evangelho em todo tempo. Se necessário, use palavras.” Assim, falarei sempre que for oportuno, mas sobretudo deixarei que minha vida testemunhe que Cristo é meu Senhor.
Se for para permanecer oculto, assim ficarei, pois “há tempo de calar e tempo de falar” (Eclesiastes 3,7). Falarei àqueles que têm ouvidos para ouvir e buscam a verdade, pois como ensinou Santo Agostinho: “A verdade é como um leão: não precisa ser defendida, basta ser solta e se defenderá sozinha.” Por isso, mantenho o silêncio diante do que não edifica, mas agirei quando houver ofensa ao que amo e defendo, se assim for da vontade de Cristo.
Dessa forma, reafirmo: minhas preocupações devem cessar, pois “lançai sobre Ele toda a vossa preocupação, porque Ele tem cuidado de vós” (1 Pedro 5,7). Com fé e oração, Cristo agirá e transformará os corações, pois “não é o homem que converte, mas Deus” (Santo Tomás de Aquino). Eu nada posso sem Cristo, e por isso rezo por todos, confiando que Ele cuidará de cada um. Em silêncio e por amor a Cristo, vivo.
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