Quando os sinos não tocam

 


 Não sei mais se os sinos tocaram ou se fui eu que inventei o som para não me sentir tão sozinho.
não sei quem fui, nem quem foram os outros. apenas sei que a nostalgia passou. e ficou a saudade como um frio que se cola na pele e não sai nem com o sol do meio-dia.
é como o inverno: a gente esquece o dia exato em que ele chegou, mas nunca esquece o que ele fez com o nosso corpo.

sempre preferi as despedidas. elas não mentem. a chegada vem bonita mas já vem com prazo de validade. a despedida não. a despedida é a única coisa que dura.
um dia me calei. e nunca mais consegui falar do passado sem tremer por dentro.
tudo parou. tudo ficou parado em mim. como se as lembranças tivessem sido soterradas por neve.

a minha boca se calou porque não havia mais história.
não havia mais o que dizer, nem dor para sentir.
e eu me culpei por isso.
por calar.
e me culpo ainda mais por escrever agora.
como se as palavras machucassem mais do que o silêncio.
peço perdão.
pelo que não disse.
e pelo que ainda insisto em dizer.

não há palavras.
e o que sinto hoje já nem sei se é sentimento ou só um reflexo daquilo que um dia fui.
não reconheci a pele. não reconheci os olhos.
não reconheci nem a mim.
tornei-me alguém estranho. para os outros. para mim mesmo.
fui me apagando devagar. feito vela em casa abandonada.

quando já não há o que cativar, tudo se parte. tudo se quebra como copo na mão da criança.
hoje sou mil rosas murchas espalhadas num campo que ninguém visita.
sou uma raposa que foge antes do carinho. antes do recomeço.
não quero mais ser tocado.

se um dia amei e fui amado, deixei isso guardado bem fundo.
o amor ficou.
a companhia partiu.
dentro de mim ainda é verão, mas por fora faz frio.
chove como se fosse sempre outono.

há um cansaço dentro de mim que não passa nem com sono.
preciso dizer chega.
chega para tudo o que se foi.
porque doer dói mais quando se escreve.
cada pessoa que foi embora virou silêncio.
não devia mais escrever para elas.
mas escrevo. e dói.
e dói mais ainda porque eu sou poeta.
e poeta é só alguém que não aprendeu a se defender.

para seguir em frente, rezo.
mas não escrevo mais.
não chamo mais de amigos.
chamo de histórias.
e nem sei se são minhas.
talvez inventei.
hoje são fragmentos.
não há mais amizade.
há pessoas.
e só isso.
pessoas.
e um adeus que não tem data para passar.
o que ficou, eu guardei no peito.

onde ninguém mais toca. 

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