Diário de um católico: uma longa amizade
Acredito que Cristo me inspirou a escrever esta carta para todos que a estão lendo, especialmente para alguém que é muito especial para mim. Escrevo para que todos possam perceber os detalhes de um amor que nasceu de uma amizade. Nossa história é antiga e, na sociedade líquida em que vivemos, nunca imaginei que duraria tanto tempo. Pode ser considerada rara nos dias de hoje, e talvez um dia não haja mais história para contar. Por isso, escrevo para que este não seja um adeus e para que não surjam arrependimentos por não ter escrito a tempo. Aqui estou, no momento certo, no instante em que deveria estar escrevendo, para que haja lembranças e para que permaneçamos juntos, mesmo que apenas no coração um do outro. Que o amor dessa amizade nos acompanhe até o dia em que não estivermos mais em contato, seguindo rotas diferentes, como já acontece na vida de todos. Mas, se o amor tiver fim e a amizade for esquecida, é porque nunca existiu verdadeiro amor ou amizade entre nós, entre aqueles que foram bons amigos, com conexões profundas estabelecidas por laços genuínos.
O caminho que tenho seguido me leva por rotas estreitas, difíceis de percorrer a dois, três ou quatro. Tenho reunido todas as minhas tralhas para seguir essa jornada, pois o mundo em que me encontro, no qual tento sobreviver - assim como Amy e quem quer que esteja lendo esta carta, possivelmente um amigo -, é um mundo que não me traz prazer algum. Sabemos que é impossível sermos eternamente felizes, e enlouqueceríamos se focássemos apenas na selva em que vivemos, lutando a todo custo para amar os homens que insistentemente tentam nos destruir, os mesmos que mataram meu Senhor e que hoje O matariam de muitas outras formas. Eles O matam ao negar asilo a um imigrante, remédio a um doente e direitos aos que mais precisam. Tudo isso me causa dor, embora eu não sinta o tiro penetrando minha pele, como acontece com um jovem negro. No entanto, Cristo sente essa dor na pele, na mesma proporção que Seus filhos. Ele Se entristece como uma mãe ao ver seus filhos subjugando e condenando seus semelhantes, sem perceber a escuridão que causam a si mesmos e o terror que infligem a alguém que apenas deseja respirar o mesmo ar que eu e você respiramos. Eu não sei como é ter medo de viver, a dor de caminhar pelas ruas ou a aflição que a fome causa no corpo. Mas o que tudo isso tem a ver com Amy? Ou com você? Ou comigo? Tudo o que causa dor aos nossos irmãos também nos afeta, porque podemos ser os próximos. No entanto, com o amor de Cristo, podemos ter bom ânimo e esperança, pois Ele derramou Seu sangue puro no Calvário e fez jorrar água de Seu corpo para que nunca mais tivéssemos sede. Irmãos, nada disso eu estaria dizendo se lágrimas não escorressem dos meus olhos. Esta verdade é o que me mantém vivo, porque ao ver Amy, meus irmãos e irmãs sofrendo, sendo mortos por falarem outros idiomas ou maltratados da pior forma possível, mesmo sabendo que Cristo os espera e conheço o que Ele pode fazer, eu sofro da mesma forma. Mas deposito minha esperança n’Ele. E não se pergunte sobre os clichês de sempre: aja por amor. Não espere pelo pior para mudar a humanidade, para transformar seu coração e acolher a todos com amor. Mas não se esqueça de que precisará dizer "não" a si mesmo e sofrer com os homens, correr com eles contra os homens maus. Se quiseres ser como Cristo, ou o mais próximo disso que puderes, ame. Mas não ame por amar; ame porque sabe que o amor salvará o próximo e a si mesmo. Ignore tudo o que já disseram sobre Cristo e a Igreja. Condenações? Deixarei de amar porque homens ruins decidiram não agir como Cristo? Deixarei de fazer o bem e me unir aos santos? É claro que os piores inimigos de Cristo são cristãos, sentados dentro da igreja, segurando os evangelhos. Mas nada disso nos impede de praticar a caridade e sermos humildes. Digo mais: não se assustem com as palavras de Jesus quando Ele confrontar e destruir seu coração de pedra, para que nasça um coração de carne.
Escrevo porque Amy, um dia, precisará saber o preço do amor, da mudança em nossos corações e além de nossa carne. E o que me motiva a ter uma causa são as pessoas que vivem neste mundo e aqueles que um dia nascerão. Não falo apenas daqueles que me amam de volta, mas também daqueles que possam estar lendo esta carta. Talvez isso pareça loucura para muitos, mas não deixarei de ser gentil porque não conheço sua história. O Verbo, meu Jesus Cristo, a conhece. Ele sabe da dor que enfrentam, das lágrimas derramadas nos travesseiros, assim como choro agora ao escrever sobre aqueles que amo. E se um dia disse que amei, agora amo de volta. Preciso recolher todo o amor que um dia distribui e colocá-lo nesta carta. Se um dia odiei quem lê, busquei com minhas lágrimas que Cristo me perdoasse pela falta de caridade que tive ao próximo. E, ao me lembrar de suas histórias, comecei a amá-los, mesmo que não saibam. Escrevo para que, possivelmente, um dia conheçam estas palavras de amor. Não amo Amy ou os outros para ser amado de volta. Não amo por quem sou ou pelo que são. Amo como Cristo ama. Não amo a Igreja pela Igreja, mas por Jesus Cristo.
Mesmo tão longe, vivendo apenas no meu mundo, observei Amy subir os degraus de sua casa escura, buscando amores conturbados. Sua história é um pouco sombria, e acredito que poucos seriam capazes de simular o que ela viveu e ainda se manterem firmes. Eu não pude mudar o que via atentamente e ouvia com o passar do tempo. Mesmo que quisesse, nada poderia ser feito. Tudo o que pude ser na vida dela e na de muitos foi um vigia. Nada pude fazer para alterar os eventos de sua vida, embora tenha havido um momento em que acreditei que seria possível, e até ela acreditou. No entanto, tudo o que deveria acontecer aconteceu como deveria ter sido. São eventos que não podemos mudar, feitos para não serem desfeitos ou transformados. Mas podemos escolher como reagimos a eles e o que aprendemos nesse multiverso da existência.
Olhei a vida como ela é e caminhei sob a luz do sol, no alto, entre as estrelas. Observei momentos da vida de Amy que eram inimagináveis e vi coisas que ela nunca viu, coisas que tentei mostrar a ela. Foram esses momentos que me fizeram conhecê-la tão bem. Mas o tempo passou, e já não a conheço tão profundamente. Ainda assim, continuo amando-a. Eu também mudei tanto que já não reconheço meu eu do passado, aquele que decidi "matar" em outro texto. Espero que ela saiba que estou constantemente destruindo camadas de mim mesmo e recomeçando do zero, assim como ela fez ao longo dos anos. É o que fazemos diversas vezes na vida. E digo mais: quem não destrói essas camadas continua cometendo os mesmos erros. Afinal, aquele que não nascer de novo não pode ver o reino de Deus.
Eu a vi com o dom da vida e a chance de destruí-lo. Tudo poderia ter sido perdido, mas a caridade a salvou. As palavras que ela acredita que eu transmiti a transformaram, mas não fui eu o responsável por essa mudança. Foi o amor de uma mãe em sua primeira viagem, aquele mesmo amor da Minha Rainha, que intercede pelas mães, e o amor de Maria, cuja caridade está além de nossa fé. Neste momento, ela intercede por todas elas, sem distinção. Se há alguém a quem agradecer, é a Cristo, somente a Cristo, porque o milagre aconteceu através d’Ele, para que uma criança fosse amada e criada por sua mãe. O que transforma não são as palavras de um amigo, mas a nossa própria coragem de ouvir o clamor de nossas almas por salvação. Eu fui um amigo, no momento certo fui o que deveria ser, e não deve haver honrarias ou aplausos. Aplausos não passam de barulhos que elevam o homem. Nunca nesta vida alguém deve ficar em dívida ou eternamente grato, pois tudo o que faço é para engrandecer o amor do meu Senhor. É preciso que eu diminua, que eu "coma terra", para que Cristo cresça.
No momento atual, sirvo a Cristo, e desde dois mil e dezesseis até agora, minha fé e devoção mudaram. Pretendo que se tornem cada dia mais sólidas, enraizadas em meu coração. Naquela época, eu era um cristão medíocre, sem frutos bons para oferecer, e nada era ensinado a mim pelos meus irmãos. Tentei ser bom, mas, na totalidade, não o era. Conhecia muito pouco do amor de Cristo, embora naquele tempo me sentisse sábio. Hoje vejo que não passava de um mentiroso, vivendo na própria arrogância. Por essa razão, desejo que Amy agradeça ao Pai, pois é d’Ele que vêm todas as coisas. É d’Ele que surge esta carta.
Outrora, falava do que não conhecia. Dissertava sobre filósofos e doutores como se dominasse seus pensamentos, mas, com o tempo, percebi que menos importava a filosofia e mais valia apresentar Cristo. Temia que isso assustasse Amy, mas, ao contrário, ela se abriu ao novo. Nunca em sua vida ouvira que deveria amar ao próximo como a si mesma. E não apenas essa, mas muitas outras palavras ecoaram em seu coração. A diferença entre Amy e tantos protestantes ou católicos era sua aceitação de que, de fato, não conhecia Cristo nem suas palavras. Confessava não ser leitora da Bíblia e nada saber sobre seu conteúdo. Ainda assim, havia nela uma humildade rara, mesmo quando a ira tomava conta diante das provações da vida. Ela permaneceu disposta a ouvir, aprender e questionar.
Há muita presunção entre meus irmãos e irmãs na fé ao afirmarem conhecer as palavras do Pai, mas poucos as praticam. São, portanto, mentirosos, como Cristo advertiu. Eu seria hipócrita se dissesse ser conhecedor, pois nunca li a Bíblia completamente. Falta-me disciplina, e admito isso. Mas agarro-me ao que aprendi e tento repetir incansavelmente as palavras que me foram ensinadas. Ainda erro, ainda esqueço, mas persisto.
Por tudo isso, Amy me fascina. Sua disposição e coragem para dizer a verdade talvez a tornem mais honesta do que eu jamais fui diante de Deus. Desde 2014, caminho na fé, mas apenas recentemente fui realmente sincero. Talvez tenha aprendido com ela sem perceber. E essa é uma lição valiosa: amar quem nunca ouviu falar do Evangelho é um aprendizado; amar aqueles que dizem conhecê-lo, mas não o praticam, é um desafio.
Se alguém memoriza as palavras do Pai, mas não as vive, qual o propósito da memorização? E como posso, sem jamais ter decorado um capítulo inteiro, reconhecer as palavras de São Paulo e desejar profundamente repeti-las? E eu tentei. Pus em prática amando Amy e tantas outras pessoas. Amei até mesmo meu pai terreno, que errou tanto e cuja presença me faltou nos momentos mais cruciais. Ainda assim, busco amá-lo como se fosse São José, um santo que nunca compreendi, mas que hoje reconheço e procuro encontrar. Se foi pai de Cristo, como poderia o próprio Deus não tê-lo amado? Quem ousaria afirmar que Cristo não o obedeceu, se Ele veio não para abolir a Lei, mas para cumpri-la?
Do mesmo modo que busco amar meu pai, disse a Amy que amasse o seu pior inimigo: seu próprio pai. A ensinei a perdoá-lo em todas as suas faltas, não por ele, mas por ela mesma. Para que pudesse viver sem a sombra do mal que a assombrava. Para se livrar do que é maligno, deve-se agir de forma contrária: fazemos o bem com o bem, não com o mal. Combatemos a escuridão com a luz, com a bondade e o amor de Cristo.
Essa é a mensagem que deixo a vocês e a Amy. Assim como orei pelos que me perseguem, encontrei a paz. Tudo se tornou uma brisa passageira; nada permaneceu, tudo se dissipou. Esse é o maior ato de amor que desejo repetir inúmeras vezes, para que aqueles que proferem palavras torpes contra mim e contra vós sejam salvos. Muitas vezes, são palavras falsas, que não condizem com quem realmente são. Mas, acima de tudo, devemos agradar somente ao Pai. Amemos a verdade. Não revidemos com mentiras ou violência. Sejamos humildes. Pois há dor no coração dos que nos perseguem, e eles não buscam a cura do amor. Mas nós podemos oferecer o que suas almas anseiam: amor, mesmo quando não o pedem. Dessa forma, todas as barreiras são desarmadas. Eles não esperam que os tratemos como gostaríamos de ser tratados, mas sim conforme precisam ser amados, da forma como Cristo os amaria.
Sobre Amy, é na simplicidade e na caridade que ela desperta em mim que encontro reflexão. Foi assim que os gentios eram amados. E sendo eu também um gentil, talvez tenha sido por ela e por tantos outros que aprendi a ter paciência para falar do Pai. Aceitei suas dúvidas, mesmo quando não soube como respondê-las. E ao longo desse caminho, compreendi que não há fraqueza em reconhecer a própria ignorância, pois é na humildade que nasce a verdadeira fé. E, como na canção Tears in Heaven, de Eric Clapton, que fala de dor, esperança e a busca por um lugar de paz, lembro que há um amor maior que nos espera além das lutas: "Would you know my name, if I saw you in heaven? Would it be the same, if I saw you in heaven?". Essas palavras passa como um lembrete de que, mesmo nas dores mais profundas, há um reencontro prometido pela graça divina. Foi essa confiança no eterno, essa certeza de que há um propósito mesmo nas sombras, que Jesus me ensinou a guardar no coração. Confio que, no momento em que Amy colocar suas esperanças e aflições nas mãos do amor, ela poderá vivenciar a fé verdadeira. Eu acredito, por amar e saber da capacidade de todos que amo!
Que o amor e a graça de nosso Senhor Jesus Cristo e o amor de Nossa Senhora esteja convosco.
H.a.a.
Comentários
Postar um comentário